Ícone LinkedIn
Menu
Logo

Descontos incondicionados não integram a base de cálculo do ICMS

Descontos incondicionados não integram a base de cálculo do ICMS

23/02/2017
No mercado, e ainda mais em tempos de crise econômica, é muito comum ouvir-se falar em “descontos”, como parte de campanhas de fidelização, “promoções” para redução de estoques, ações para conquistas de mercados que alteram o preço de mercadorias e serviços. Dúvida relevante é saber se todos esses “descontos” podem resultar na redução da base de cálculo do ICMS (o que vale igualmente para IPI e ISS) ao preço da venda final.
Para a legislação e a doutrina do Direito Tributário, firmou-se a distinção entre descontos ditos “condicionais”, que devem ser incluídos no valor da base de cálculo, e os assim chamados descontos “incondicionais”, que diversamente não podem ser adicionados à base de cálculo, a somar-se ao montante da operação.
A base de cálculo do ICMS, como regra, será sempre o valor da operação, a qual, como diz Roque Carrazza, o mais notável dos seus estudiosos, “deve necessariamente ser uma medida da operação mercantil realizada”. [1] Na dogmática tributária, a base de cálculo deve ser suficiente a evidenciar a manifestação patrimonial do fato jurídico tributário, como corolário do princípio de capacidade contributiva.
Logo, afirma-se como inconstitucional a exigência de ICMS que, no todo ou em parte, não demonstre a capacidade contributiva do sujeito passivo, o que resulta sempre que a base de cálculo não seja reveladora do montante exato da operação realizada, a afrontar a garantia do artigo 150, IV, da CF, que proíbe “utilizar tributo com efeito de confisco”. Vejamos o caso do ICMS.
A regra que prescreve a integração do desconto concedido sob condição à base de cálculo do ICMS encontra-se no artigo 13, § 1º, II, “a” da Lei Complementar 87/96, a saber:
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (...)
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo: (...)
II - o valor correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;”
Não é tarefa fácil dar resposta definitiva sobre quais sejam os casos de descontos condicionais, que não escapam à formação da base de cálculo, a merecer sempre análise de caso a caso. Contudo, algumas notas são fundamentais para essa qualificação.
De imediato, a questão impõe um exame atento de conceitos e institutos de direito privado, para determinar os efeitos daqueles descontos sob “condição”, e, de outra banda, dos incondicionados, o que só pode ser feito em conformidade com o direito privado, caso a legislação tributário não tenha dado expressamente efeitos diversos. É o que diz o Código Tributário Nacional no artigo 109, do CTN:
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
A definição, o conteúdo e alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado serão sempre preservadas quando, sobre estas, o direito tributário não disponha de modo diverso. [2] Firmamos, assim, o primeiro postulado de aferição do modelo dogmático para enfrentar o tema. Ou seja, quando não houver disposição diversa, prevalecerá o instituto e suas formas jurídicas para todos os efeitos, inclusive os de natureza tributária.
O segundo postulado consiste na liberdade de afirmação do “preço” do bem ou serviço como corolário dos princípios de autonomia privada e de capacidade contributiva. No direito privado, prevalece o princípio da autonomia privada quanto à formação do contrato, sobre o seu conteúdo. [3] Nesse largo âmbito insere-se a liberdade para determinação do preço, ou, ainda, de sua prestação. [4]
Como assinala Pontes de Miranda: o preço não tem de ser, desde logo, preço determinado. Basta que, desde logo, seja determinável. Preço determinado é aquele que não requer qualquer critério ou método para sua determinação; preço determinável, por sua vez, corresponde ao preço passível de definição objetiva mediante aplicação de critério de fixação previsto no negócio jurídico. Como diz Pontes de Miranda, [5] “tem-se o critério de fixação, não se tem a fixação”.
Em suma, o que importa à causa jurídica do contrato é que tenhamos preço a ser pago em dinheiro, que não precisa vir necessariamente definido no momento da celebração do contrato o seu exato montante, podendo ser este determinável, por meio de critérios de fixação previamente indicados. As condições de preço estabelecem-se como típico direito dispositivo. As partes estarão vinculadas às condições.
Isolados dos demais aspectos, serão sempre descontos incondicionais aqueles que independem de evento futuro e incerto, em conformidade com aquilo que estabelece o artigo 121 do Código Civil, quanto aos requisitos da “condição”:
“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.” (grifamos).
Portanto, a condição aqui referida está adstrita à livre manifestação de vontade das partes para definir, como condição, algum futuro e incerto. Na ausência de semelhante deliberação, não cabe falar de “condição”. Pode ser sanção por inadimplemento, mas nunca uma espécie de “condição”.
De modo semelhante, assim se manifesta Vicente Ráo:
“Em sentido próprio, chama-se condição a modalidade voluntária dos atos jurídicos que lhes subordina o começo ou o fim dos respectivos efeitos à verificação, ou não verificação, de um evento futuro e incerto.”
A “condição” deve ser vir constituída entre as partes, mediante ato de autonomia da vontade, por contrato (condição voluntária); mas seja como for, o que vale é identificar o critério adotado para a “condição” e qual o seu papel como critério jurídico, como elemento constitutivo deste, seja a condição legal ou voluntária. O que importa é identificar a função jurídica do evento qualificado como “condição”, de modo a extrair sua objetiva significação. E por isso, em matéria tributária, pelo princípio de tipicidade fechada, toda condição existente passa a ser elemento do tipo, integrando a materialidade da norma.
Para melhor intelecção, oportuno o exemplo de desconto sob condição, utilizado por José Eduardo Soares de Melo, [6] a saber:
“Assim, tendo o comerciante fixado o preço de uma televisão em R$ 10.000,00 no caso de pagamento mediante a utilização de cartão de crédito; e em R$ 9.000,00 para pagamento em moeda, no ato da aquisição, o ICMS, por determinação legal) teria que ser calculado sobre R$ 10.000,00.
Entretanto, referida regra viola o princípio da capacidade contributiva, harmonizado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o contribuinte não irá receber o montante de R$ 10.000,00, diverso do negócio ajustado entre as partes (R$ 9.000,00), o que não guarda nenhuma correspondência com a riqueza a ser auferida.”
Descontos “sob condição” quedam-se pendentes, na realização do negócio, de algum evento futuro para o aperfeiçoamento do seu suporte fático. Já descontos incondicionais são aqueles não sujeitos à condição, definidos antes da ocorrência do fato jurídico tributário e segundo critérios que independam de ulterior modificação.
Como bem apontou o Ministros Marco Aurélio, no julgamento do RE 567.935-SC, a principal distinção entre o desconto incondicional e aquele sob condição está refletida no documento contábil.
Quando a nota fiscal ou fatura de venda de mercadorias ou prestação de serviços já contempla o valor do desconto e em seu total consta o valor líquido, que é o montante a ser pago pelo cliente, certamente não há condição. Não há evento futuro e incerto a modificar o preço. Como eventos futuros e incertos, as condições referem-se sempre a um comportamento do cliente após a venda e a emissão do documento contábil.
Na contabilidade há uma conta própria para registrar os descontos concedidos sob condição, denominados “abatimentos”, a saber:
“A conta abatimentos deve abrigar os descontos concedidos a clientes, posteriormente à entrega dos produtos, por defeitos de qualidade apresentados nos produtos entregues, ou por defeitos oriundos do transporte ou desembarque etc. Dessa forma, os abatimentos não se referem a descontos financeiros por pagamentos antecipados, que são atualmente tratados como despesas financeiras e não incluem também descontos no preço dados no momento da venda, que são deduzidos diretamente nas notas-fiscais. Todavia, há empresas que adotam sistemas de contabilização das vendas de forma a registrar as vendas brutas por preços normais e debitar em conta especial de Descontos Comerciais as reduções dadas no preço, relativas a clientes especiais, grandes volumes etc. para controle destes descontos.
Nesse caso, tal conta deve figurar como redução das vendas brutas para apurar a receita operacional líquida.” [7]
Atualmente [8] vigem as regras de reconhecimento de receitas disciplinadas no Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC 30, que ao tratar da mensuração das receitas, dispõe:
“9. A receita deve ser mensurada pelo valor justo da contraprestação recebida ou a receber.
10. O montante da receita proveniente de uma transação é geralmente estabelecido entre a entidade e o comprador ou usuário do ativo. É mensurado pelo valor justo da contraprestação recebida, ou a receber, deduzida de quaisquer descontos comerciais (trade discounts) e/ou bonificações (volume rebates) concedidos pela entidade ao comprador.”
Como se depreende, para a contabilidade, devem ser subtraídos dos preços de mercadorias e serviços todos os descontos e bonificações concedidos, pois estes não compõem o preço da mercadoria ou serviço. Contudo, isso só valerá para definir a inclusão ou não do desconto na base de cálculo do ICMS se confirmada, ou não, a presença de condição, vinculada ou não a evento futuro e incerto.
Oportuno aqui o trecho da Solução de Consulta COSIT 49/2015, no qual a Receita Federal do Brasil admite que variáveis do preço pactuadas no contrato não se confundem com desconto sob condição. Confira-se:
“Nesse caso o valor do bônus do cliente aceito por um dos estabelecimentos conveniados, nada mais é que um desconto, já que o bônus perde suas funções uma vez utilizado pelo cliente. Trata-se do conceito de desconto incondicional, isto é, não há condições pós venda para obtenção do desconto. A única condição é possuir o bônus. Mas esta condição é pré venda, o que não descaracteriza o desconto como incondicional.”
Os preços entre partes independentes (como Consulente e seus clientes) são pautados por critérios livres do mercado. E, neste, a empresa está livre para adotar a melhor forma de conduzir seus negócios e conceder descontos para fidelização de seus clientes. Quando estes descontos não dependem de um evento futuro e incerto, são descontos incondicionais que não podem compor a base de cálculo do ICMS.
No regime de recursos repetitivos, o STJ julgou o REsp 1.111.156/SP, quando decidiu que bonificações são descontos incondicionais e, consequentemente, não devem ser incluídas na base de cálculo do ICMS. A saber:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO. ESPÉCIE DE DESCONTO INCONDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL ART. 13 DA LC 87/96 NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO.
1. A matéria controvertida, examinada sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, restringe-se tão-somente à incidência do ICMS nas operações que envolvem mercadorias dadas em bonificação ou com descontos incondicionais; não envolve incidência de IPI ou operação realizada pela sistemática da substituição tributária.
2. A bonificação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é beneficiado com a redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do preço do negócio.
3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96 é suficiente para concluir que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é aquela efetivamente realizada, não se incluindo os "descontos concedidos incondicionais".
4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o valor das mercadorias dadas a título de bonificação não integra a base de cálculo do ICMS.
5. Precedentes: AgRg no REsp 1.073.076/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 935.462/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 8.5.2008; REsp 975.373/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.5.2008, DJe 16.6.2008; EDcl no REsp 1.085.542/SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 24.3.2009, DJe 29.4.2009.
Recurso especial provido para reconhecer a não-incidência do ICMS sobre as vendas realizadas em bonificação. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça.” [9]
Ao mais, sobre os descontos incondicionados, o STJ pacificou a questão na Sumula 457, a saber:
“Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.” (Súmula 457, 1ª Seção, julgado em 25/8/2010, DJe 08/09/2010)
Destarte, a interpretação do artigo 13, III, da Lei Complementar 87/96 deve assegurar que a base de cálculo do ICMS seja apurada com descontos condicionais incluídos na base de cálculo do imposto. De outra banda, prevalece a jurisprudência pacífica do STJ no sentido de que a base de cálculo do ICMS deve abarcar o preço da operação com a exclusão de descontos incondicionais concedidos.
Como dito acima, descontos incondicionais são descontos contratados previamente à ocorrência do fato gerador do ICMS, mas que não dependem de condição futura ou incerta, logo, sem qualquer possibilidade de modificação ou de indeterminação futura.
Em conclusão, a base de cálculo do ICMS deve refletir a contraprestação efetivamente paga na operação com mercadoria ou na prestação de serviços de transporte ou de comunicação. Desse modo, em respeito ao princípio da capacidade contributiva e da proibição de confisco, os descontos incondicionados não podem ser incluídos na base de cálculo do imposto, ex vis do artigo 13, §1º, II, ‘a’, da Lei Complementar 87/96, sob pena de se tributar como “preço” a proporção dos “descontos”, na medida que estes não possam ser modificados ad futurum. Somente os ditos “descontos condicionados” podem ser incluídos na base de cálculo do ICMS.
Voltar
Fale Conosco
SEDE DE SÃO PAULO
Avenida Paulista, 575, 5º andar, cj 513
Bela Vista - São Paulo - SP - Brasil
CEP: 01.311-000
Fone: (55 11) 3284-2138
SEDE SALVADOR
Rua Alceu Amoroso Lima, nº 786, sala 312,
Edif. Tancredo Neve Trade Center
Caminho das Árvores, Salvador - BA - Brasil
CEP: 41.820-770
Fone: (55 71) 2626-5246
SEDE RECIFE
Avenida Montevidéu - 172
Boa Vista, Recife - PE - Brasil
CEP: 50.050-250
Fone: (55 81) 4141-6400
SEDE FORTALEZA
Duets Office - Rua Gilberto Studart, 55 - Torre Sul, Sala 1018
Cocó, Fortaleza – CE - Brasil
CEP: 60.192-105
Fone: (55 85) 3022-3813
Entre Em Contato
De volta ao topo